sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Speculum astromiae

"O inglês Roger Bacon publicou, em 1278, uma obra que procurava mostrar como a posição das estrelas influenciava o comportamento humano. Speculum astronomiae. Bacon insistiu nessa iniciativa mesmo com o Arcebispo de Paris prestes e emitir uma condenação da astrologia."

The adventures of discoveries and inventions. The middle ages. Reader's Digest.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

I'm too sad to tell you, Bas Jan Ader

I'm too sad to tell you, Bas Jan Ader

A começar pelo título. É uma tristeza absoluta, não nomeada, que leva o homem à impossibilidade de falar. Mas falar, neste filme, não é preciso. Como parece ser comum nos filmes de videoarte produzidos na década de 1970, I’m too sad to tell you é um tanto infantil, e também catártico. (Há quantos anos não choro assim, tão livremente, tão tristemente. Parece que até a tristeza está invadida por uma onda de racionalidade que desejo imprimir em mim, levando a infância, a adolescência e certa infantilidade que tenha ficado. Racionalidade talvez muito irracional e desesperada. Espero que seja um caminho com volta. Agora mesmo.) Apesar do título – I’m too sad to tell you, Estou muito triste para falar –, o vídeo não é dramático. É nu. Não tem som, a luz ressalta o contraste claro/escuro explorado. É a blusa cacharel preta, o rosto branco; a boca, por dentro, escura, o fundo claro. Essas são as cores do filme. O rosto do homem é parcialmente iluminado, ou parcialmente sombreado. O lado esquerdo é aquele que se vê mais claramente, o mais exposto, o evidente. O homem é uma criança, ele chora como uma criança. Mexe nervosamente nos cabelos, escancara a boca, se acaricia, soluça, o nariz escorre. Mas as linhas que contornam a sua boca denunciam maturidade, literalmente desgaste corporal (“e cada abraço tece além do braço/ a teia de problemas que existir/ na pele do existente vai gravando.”, C.D.A.). E mais ainda: os olhos baixos do homem que chora. Ele não encara a câmera. Ao contrário, somos nós que o encaramos, esperando alguma coisa indefinida, tão incerta quanto o próprio filme. O que se espera deste filme? Parece que é a nós que o homem tenta dizer não se sabe o quê.

...

A coleção de verão da Ecletic está bonita. As rendas estão absolutamente irresistíveis: blusas, vestidos, leggings. Nos tons branco, gelo, nude, salmão e preto. Conheço a Ecletic desde 2000; desde quando me dei conta de que meninas podiam usar saia e vestido. Até então, eu só escolhia como opção indumentária uma calça bailarina preta. Mas há bastante tempo a Ecletic não me emocionava. Tudo muito pasteurizado, sem graça, sem charme. Tanto que entrei na loja hoje porque reparei numa de minhas colegas de classe um short jeans cintura alta lindo e desejável. Conviver com mulheres é muito bom, principalmente numa faculdade de moda/arte. Fica evidente em cada uma certa autenticidade. Mas mais interessante do que as roupas, é observar o modo como as meninas (eu não me sinto mais menina, por isso esse referente distante “as meninas”) se comportam em seus corpos. Pernas grossas e finas, barriga, celulite, canelas impecáveis, peles lindas ou marcadas, as paletas de cores das unhas, cabelos, milhares de cabelos diferentes: e elas não temem. De alguns anos até hoje meu corpo está cada vez mais coberto. E mais escuro e neutro. Escondo meu corpo, tenho vergonha dele. Com o calor agora esticando os braços me dei conta de que quase não tenho mais saias. E definitivamente não encontrei bermudas e shorts no meu armário. Por isso entrei na Ecletic e comprei o short jeans cintura alta lindo igual ao da minha amiga de classe. (E mais duas saias curtas – cintura alta, sempre –, uma roxa outra rosa, sim!, na My philosophy, com 50% de desconto.) Observar o outro é sempre um ótimo exercício de aproximação da realidade.

...

Sempre repito que gostaria de ter tido a cabeça de hoje quando entrei no meu primeiro curso de graduação, em agosto de 2001. O corpo, logicamente, também era outro. E é com tanta simplicidade que as meninas da minha sala não têm 27 anos, mas 18 ou 20, que me movo a resgatar meu corpo de certo castigo a que o impus.

26.viii.2010

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Salpicão

Salpicão é comida de vó.


...


"Compage, macedônia, amálgama, baralhada, fusão, transfusão, matrimônio, salada, salpicada, salsada, salgalhada, tutilimúndi, choldraboldra, junção." Dicionário analógico da língua portuguesa, Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. (Todo mundo é capaz de escrever bem, ricamente e com classe se tiver esse dicionário.)


...


Horário de saída das escolas, as ruas salpicadas de crianças. Uma menina loura e magra amassa o nariz da professora, ao lado de um cachorro pastor alemão; e um menino preto e magro chora, mãos dadas com a professora. Sempre uma professora. Para aqueles que estudam à tarde meio-dia é quando o dia começa. Bainho tomado, cabelo puxado pra trás, barriga cheia. As ruas salpicadas de uniformes. Escola Municipal Benevenuta Ribeiro, São Bento, Tancredo Neves, Escola Municipal Orsina da Fonseca e Pedro II. Notre Dame, Franco Brasileiro. CIEP Bento Rubião. Colibri. Escola Municipal Tia Ciata e Colégio Rio de Janeiro. Enquanto uns saem outros chegam, e a vida acontece. O trabalho, o almoço, o susto. Descobri que ao lado da igreja Santa Margarida Maria acontece uma feira toda quarta. Boa estreia para meus óculos novos.


...




Salpicão também é a casa do Ferreira. Um apartamento em Copacabana, penumbroso, em que tudo é milimetricamente desarrumado. Cada casca de lápis, cada livro e parede. Móbiles. O frango a cenoura a maionese o presunto. Tudo, na casa com Ferreira. Susto de novo, e ainda bem. Entrar naquela casa é mergulhar numa outra dimensão, "numa outra (maior) realidade" (Drummond). Não tem cheiro, não tem som, só tem espaço. Só tem objetos. Só tem cores e planos e alguma luz melodramática. A casa é iluminada por seus objetos. A concretização natural do claro/escuro. A casa de Ferreira é um espaço sideral. E isso me faz lembrar um poema dele que é exatamente como sua casa:


"Pergunta e resposta


Se é fato que
toda massa do sistema
solar (somando a de Saturno e Marte
e Terra e Vênus e Urano e Mercúrio
e Plutão, mais
os satélites, mais
os asteróides, mais) equivale
apenas a 2% da massa
total do Sol e
que o Sol não é mais
que um mínimo ponto
de luz na estonteante tessitura
de gás e poeira da Via
Láctea e que a Via
Láctea é apenas uma
entre bilhões de galáxias
que à velocidade de 300 mil km por segundo
voam e explodem
na noite
            então pergunto:
            o que faz aí
            meu poema com seu
            inaudível ruído?


            E respondo:
            Inaudível
            para quem esteja
                 na galáxia NGC 5128
            ou na constelação
            de Virgo ou mesmo
                 em Ganimedes
            onde felizmente não estás,
                 Cláudia Ahimsa,
            poeta e musa do planeta Terra."


Ferreira Gullar, Muitas vozes


Abaixo, Na casa, com Ferreira. Foto de Tomás Rangel. 




quinta-feira, 1 de julho de 2010

Tirada decorativa


O tema mais batido do mundo, em termos de escrita, talvez seja o "não escrever". Escrever sobre a crise do "não escrever", do "não conseguir escrever". Deve haver vários motivos que levam alguém a não escrever, mas listo os quatro primeiros que me vêm à cabeça: falta de vontade, falta de talento, falta de técnica, falta de tempo. O Bateau Mouche está no ar há um ano. Houve momentos em que meu distanciamento em relação a ele foi proposital, não escrevo por falta de vontade. (Então por que criou o blog?, eu mesma me perguntei.) Passada a falta de vontade - muitas vezes motivada, é necessário dizer, pela falta de talento e de técnica - resolvi aderir ao Bateau, outra forma de aderir a mim mesma. E me deparo com a quarta e mais crônica das faltas atuais, a de tempo. E me pergunto - o tempo nunca falta nas perguntas - como eu antes dos 30 anos posso experimentar o estado falta de tempo? De fato é cotidiano, a mais aterrorizante das palavras: chegar em casa do trabalho, depois das nove da noite; comer pouco; banho; vestir pijama; computador. Nisso, quede fôlego? O dia começou cedo, com a ginástica-faca-apontada-pro-pescoço (uma vez por semana). Depois vem o imenso dia de trabalho (salve salve Cesare Pavese). E não é justo esquecer dos trajetos: casa-rua-ônibus-trabalho-rua-ônibus-casa. Com tudo hoje já é dia primeiro de julho, faço questão de escrever por extenso, como se eu tivesse todo o tempo do mundo. As mulheres do século XIX tinham mais tempo. E o meu quarto se torna um maravilhoso parque de diversões, com morros de livros que ainda não li (desisti da música). E o computador é a terceira dimensão, com o mundo por trás da janela, e a possibilidade infinita de escrever escrever escrever. Mas, putz, são todas possibilidades ficcionais. Talvez depois desse texto eu deva pagar uma sessão pro suposto leitor; talvez eu mesma deva me pagar uma sessão. Quite. O blog é pra quem gosta de aparecer, e minha personalidade molha aí sua torrada. Texto brega, texto negativo, texto autoanálise, texto não texto. Texto.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Na véspera de algum feriado

Quarta-feira à noite, véspera de feriado, cinema. É ótimo ver as mulheres se vestirem de modo diversificado. Cada uma tem um pouco de moderna, de bonita, de arrumada. Uma senhora grisalha, corte chanel, veste um cachecol muito comprido (apenas uma volta no pescoço), de tricô, franjas nas extremidades. A cor é um espetáculo à parte: um branco antigo, um bege iluminado, uma cor de pele. Cor da sua pele.

terça-feira, 11 de maio de 2010

A meia de seda

É sensação feminina. A frustração da meia de seda rasgar no primeiro dia de uso. É bom usar meia de seda na indumentária do trabalho. Também é bom quando chove numa segunda-feira. Você se sente habitante de um lugar ameno, meio distante meio ficcional, onde é possível usar meia de seda. E a segunda-feira parece quinta. Mas quando você chega cansada do trabalho e resolve arrumar as gavetas do banheiro ainda com a meia de seda, antes do banho, levanta, passa a mão, e percebe que ela está rasgada. Irrita. Minha meia nova. Ter sensações femininas é bom. Sentir o cabelo crescer e gostar. Prender o cabelo. Fazer rabo pela primeira vez depois de usar um corte baixo durante meses. Precisar de uma touca de banho. Hoje comprei uma touca de banho orgânica. E a minha primeira Vogue. Procuro me espantar sempre. Todas as vezes. Com a touca de banho orgânica (devo comê-la?) e com o anúncio da bolsa da Chanel (devo comê-lo?). Com a moda outono-inverno infantil, já que ainda não tenho filhos. Todos criticam quem usa o espaço dos blogues pra falar sobre a própria vida. Mas, no fundo, todos o fazem. Comecei a justificar, mas talvez seja óbvio. Minha vida não é importante, não mudei o mundo, não nasci em Nova Iguaçu, não escrevi um projeto de inclusão social. Tenho 26 anos e ainda não tenho aquele emprego naquela empresa. Não estudei economia, e nem engenharia de produção. E tudo isso que acabei de escrever muitos outros já escreveram, não é novidade. Mas, não me importa. Bateau Mouche é navio fantasma. Estão todos convidados.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Carta em 06 de abril de 2010






Estou bem. E você? No Rio, cinza, chove muito. Cidade alagada. Existe um lugar que se chama Rio Branco, que é onde se formam os diplomatas. Sua princesa dorme e eu tento ser rainha de algum lugar, de alguém. Quem sabe de mim. Não me acordou. Já estava desperta há duas horas. Hoje não fui ao trabalho, a cidade parou. Tudo cinza aquarelado. A paleta de cores está pranto. Por dentro das casas entranhas se mexem. Há certa tensão no ar bola de chumbo. A cidade desaba, o cimento também. E a terra. E a água.

De resto, procuro me concentrar. É difícil. Meus dedos têm cheiro estranho. A paixão provoca formigamento nas pernas e na boca do estômago. É algo físico mesmo. Os olhos não param, é difícil terminar frases. Por isso essa carta é curta. Carta curta carta curta carta curta. Esqueço algumas palavras, outras pousam na língua. Birigui, por exemplo. Você sabe o que é birigui? Então procure.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Sem assunto

Chuva na lagoa. Chuva na lagoa. Chuva na lagoa. Vento, sol e chuva na lagoa.

domingo, 28 de março de 2010

E como eu palmilhasse



O homem e a máquina na máquina do mundo. Ferros lisos e contorcidos, roupas. De ferro.

terça-feira, 16 de março de 2010

Boas-vindas terça-feira

Risada conhecida do irmão espalhada na mesa da sala.
Dar não dar, dar já deu, novas músicas outros sons.
Dor no estômago que chama à realidade e a perspectiva de alguma poesia pela manhã.


15.iii.2010 - início da Lua nova

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Exumar é retirar do esquecimento

Uma mulher, ao morrer, foi enterrada com as cartas que recebera do ex-marido, quarenta anos antes. Último pedido. As cartas foram enterradas dentro de latas de biscoito antigas, que ela ganhara da sogra. Alguns anos depois, quando o corpo da mulher foi exumado, as cartas ainda estavam lá, intactas, preservadas pelas latas de biscoito.