"Perda"
Do livro Barulhos (1987):
Perda
a
Mario Pedrosa
Foi no dia seguinte. Na janela pensei:
Mário não existe mais.
Com seu sorriso o olhar afetuoso a utopia
entranhada na carne
enterraram-no
e com suas brancas mãos de jovem aos 82 anos.
Penso - e vejo
acima dos edifícios mais ou menos à altura do Leme
uma gaivota que voa na manhã radiante
e lembro de um verso de Burnett: “no acrobático
milagre do voo”.
E Mário?
A gaivota voa
fora da morte:
e dizer que voa é pouco:
ela faz o voo
com asa e brisa
o realiza
num mundo onde ele já não está
para sempre.
E penso: quantas manhãs virão ainda na história da Terra?
É perda demais para um simples homem.
Ferreira Gullar