segunda-feira, 22 de junho de 2015

"Perda"



Do livro Barulhos (1987):

Perda

   a
   Mario Pedrosa

Foi no dia seguinte. Na janela pensei:
Mário não existe mais.
Com seu sorriso o olhar afetuoso a utopia
   entranhada na carne
   enterraram-no
e com suas brancas mãos de jovem aos 82 anos.

Penso - e vejo
   acima dos edifícios mais ou menos à altura do Leme
   uma gaivota que voa na manhã radiante
e lembro de um verso de Burnett: “no acrobático
     milagre do voo”.

E Mário?
A gaivota voa
fora da morte:
    e dizer que voa é pouco:
      ela faz o voo
              com asa e brisa
              o realiza
    num mundo onde ele já não está
    para sempre.

E penso: quantas manhãs virão ainda na história da Terra?
É perda demais para um simples homem.

Ferreira Gullar