domingo, 21 de fevereiro de 2021

Poemas da Lua crescente

 




O dia de hoje


Acordei tarde

passei aspirador na casa

levei os cachorros pra fazer xixi

almocei na rua.

Ouvi a playlist da Maureen Bisilliat.

Passei mais aspirador na casa

quis mudar os móveis de lugar e desisti.

Fiz uma sessão de análise.

Li umas páginas do romance da Elvira. Já estou no fim.

Trabalhei.

Trabalhei.

Ouvi Claudio Arrau. Liszt, Chopin, baladas.

Gosto de nomes que são fáceis de escrever, como Arrau.

Li o horóscopo do mês de março. É preciso se agarrar à rotina.

O ano novo astrológico está chegando e dessa vez não vou transar no mar da Bahia.

Limpei camarão.

Achei que seria necessário comprar uma faca pequena de ponta, mas encontrei uma faca

pequena de ponta na gaveta.

Me emocionei com a Salomé

Me emocionei com o Alvim.

Quis dançar pra você.

Soi-disant.

Trabalhei.

Fiz um desenho com a mão esquerda, vermelho e preto.

E estou trabalhando agora

enquanto preparo o macarrão.


*


Depois do banho


Eu deveria te dizer, não se aproxime. Sou figura fatal, peixe voraz.

O gozo sexual faz parte dos meus rituais

e eu acabei de comer um picolé de coco.

Gozo sozinha com a ajuda de inúmeros utensílios. A água do chuveiro,

do chuveirinho, as minhas mãos, a tua boca. Tenho tido tara por doces.

São 4:38 da manhã e já estou com vontade de levantar e ir à feira.

O primeiro ônibus acabou de passar.

Ainda está escuro e meu corpo parece um ar-condicionado

porque me besuntei com óleo essencial de eucalipto.

É gostoso, por causa do calor.

A gente se torna feiticeira quando é capaz de manipular

a energia a nosso favor e a do próximo. Cada feitiço

tem seu preço e nem todos estão prontos ou dispostos a pagar.

4:44, você está pensando em mim, eu sei.

Não vou conseguir ler o final do romance, mas ainda tenho forças

para programar o despertador.



quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Avenida Europa

Ruído
colagem de Rafael Bandeira



Quando menos esperava, foi atropelada e morreu.
Sempre teve dificuldade de atravessar as ruas de São Paulo.
Por um segundo, distraída, olhou para um lado só. Mas o ônibus
vinha pelo outro e o motorista, coitado, não conseguiu frear.
Num segundo, nada do que viera fazer em São Paulo
seria concluído. O impacto foi estrondoso,
e aquilo se transformou num espetáculo.
Sua cabeça estava esmigalhada no vidro do ônibus
e uma orelha havia sido arrancada, repousando na avenida
a poucos metros do acidente.
Um homem de quarenta anos, mas parecendo mais velho,
a encontrou. Os dois brincos pequenos que a moça usava,
uma bolinha de ouro e uma rosa de plástico,
jaziam na orelha morta, destacada, que o homem
levou para casa, como um suvenir.